Resolvendo enigmas na nanotecnologia: como transformar um artefato em um antídoto

Texto originalmente publicado na Pharmacology Matters edição de julho de 2018.

NanoCell members of 2018
MARCELO BISPO DE JESUS ​​Marcelo Bispo de Jesus é líder de grupo do Laboratório de Interações com Nano-células da Universidade de Campinas, Brasil.
Ele recebeu seu Ph.D. em biologia celular na Universidade de Groningen.
O Dr. de Jesus recebeu o prêmio de Jovem Investigador da Fundação de Pesquisa de São Paulo, antes de assumir uma posição na Universidade de Campinas. Em sua posição atual, o Dr. de Jesus lidera uma equipe multidisciplinar que trabalha no campo da nanotecnologia, com foco na entrega de genes e nanotoxicologia.

A idéia de uma bala mágica é muito encantadora e atraente. A cura de doenças com a entrega precisa de agentes terapêuticos para a célula ou microorganismo alvo recebeu a atenção de muitos laboratórios em todo o mundo e capturou a imaginação de escritores e diretores de cinema por muitos anos [1].

A possibilidade de dominar a produção de nanoterapêuticos capazes de alcançar efetivamente seus alvos são o sonho de todos os pesquisadores. O uso de nanomateriais não se restringe ​​apenas a medicina; seu uso se expande para eletrônicos, agricultura, produção têxtil e muitas outras indústrias [2,3].

Muitos produtos contendo nanomateriais chegaram às prateleiras, sendo utilizados para tratar ou diagnosticar doenças [4]. Mas uma das limitação do seu uso na medicina é a sua toxicidade. Por esse motivo, muitos esforços estão sendo realizados para entender os mecanismos de nanotoxicidade [5].

Nosso laboratório é multidisciplinar e altamente colaborativo, e nos concentramos em estudar como as nanopartículas interagem com as células. Uma das áreas de interesse em meu laboratório inclui investigar os mecanismos pelos quais os nanomateriais interagem com as células do corpo. Esse quebra-cabeça requer o conhecimento das propriedades da nanopartícula e como os meios biológicos interagem com o nanomaterial. É certo que as células desempenham um papel importante na captação e processamento das partículas. Por esses motivos, primeiramente estamos interessados ​​em entender como os nanomateriais interagem com as células [6,7], ou seja, como são absorvidos e como lidam com os nanomateriais, por exemplo para o transporte de oligonucleotídeos, a base da terapia gênica [8]. Em segundo lugar, estamos interessados ​​em investigar os riscos envolvidos no uso de nanopartículas e os eventos que eles podem desencadear em diferentes células do corpo. Um dos riscos que eles apresentam está diretamente relacionado ao seu pequeno tamanho e à maneira como eles podem viajar no corpo e alcançar células em muitos órgãos vitais, potencialmente induzindo toxicidade.

Estudando nanopartículas de prata, descobrimos que elas induzem estresse oxidativo nos hepatócitos, as céulas do fígado [9]. Estudos anteriores também mostraram que a morte celular era induzida por nanopartículas de prata [10] e, portanto, queríamos investigar a conexão entre estresse oxidativo e morte celular. Em nossos estudos, descobrimos que, embora a presença de alguns antioxidantes mitigasse o estresse oxidativo induzido por nanopartículas de prata, outros antioxidantes não apresentavam a mesma capacidade. Foi aí que as coisas começaram a se tornar mais interessantes. Indo mais fundo, descobrimos que alguns antioxidantes podem se ligar diretamente às nanopartículas de prata. Isso foi um tanto inesperado e um potencial virador de jogo. Essa descoberta nos fez pensar: se antioxidantes específicos podem se ligar diretamente às nanopartículas in vitro, como isso se traduz in vivo? A ligação de antioxidantes às nanopartículas de prata poderia impedir a toxicidade? Sabemos que as nanopartículas de prata levam à hepatotoxicidade; portanto, tratamos ratos com nanopartículas de prata, uma hora depois injetamos o antioxidante e após 24 horas verificamos os efeitos tóxicos. O resultado foi surpreendente: todos os sinais de toxicidade relacionados ao acúmulo de nanopartículas no fígado desapareceram [11]. Após o tratamento antioxidante, eles foram excretados na urina. A boa notícia foi que esse antioxidante é aprovado para uso humano e existe há décadas.
Nosso trabalho continua, mas é apenas um exemplo de como conseguimos transformar um artefato em antídoto.

Então as coisas começaram a ser interessantes. Indo mais fundo, descobrimos que alguns antioxidantes podem se ligar às nanopartículas de prata.

REFERÊNCIAS

  1. Strebhardt K, Ullrich A. Paul Ehrlich’s magic bullet concept: 100 years of progress. Nat Rev Cancer. 2008 May 12;8(6):473–80.
  2. Yetisen AK, Qu H, Manbachi A, Butt H, Dokmeci MR, Hinestroza JP, et al. Nanotechnology in Textiles. ACS Nano. 2016 Feb 17;10(3):3042–68.
  3. de Oliveira JL, Campos EVR, Bakshi M, Abhilash PC, Fraceto LF. Application of nanotechnology for the encapsulation of botanical insecticides for sustainable agriculture: Prospects and promises. Biotechnol Adv. Elsevier; 2014 Dec 1;32(8):1550–61.
  4. Anselmo AC, Mitragotri S. Nanoparticles in the clinic. Bioeng Transl Med. Wiley-Blackwell; 2016 Mar;1(1):10–29.
  5. Maynard AD, Aitken RJ. “Safe handling of nanotechnology” ten years on. Nat Nanotechnol. 2016 Dec 6;11(12):998–1000.
  6. de Jesus MB, Kapila YL. Cellular Mechanisms in Nanomaterial Internalization, Intracellular Trafficking, and Toxicity. In: Durán N, Guterres SS, Alves OL, editors. Nanotoxicology. New York, NY: Springer New York; 2014. pp. 201–27. (Nanomedicine and Nanotoxicology).
  7. Sahay G, Alakhova DY, Kabanov AV. Endocytosis of nanomedicines.
    J Control Release. 2010 Aug 3;145(3):182–95.
  8. de Jesus MB, Zuhorn IS. Solid lipid nanoparticles as nucleic acid delivery system: Properties and molecular mechanisms. J Control Release. 2015 Mar 10;201C:1–13.
  9. Ferreira LAB, dos Reis SB, do Nascimento da Silva E, Cadore S, da Silva Bernardes J, Durán N, de Jesus MB. (2019) Thiol-antioxidants interfere with assessing silver nanoparticle cytotoxicity. Nanomedicine: Nanotechnology, Biology and Medicine. 24 102130.
  10. Kim S, Ryu D-Y. Silver nanoparticle- induced oxidative stress, genotoxicity and apoptosis in cultured cells and animal tissues. J Appl Toxicol. Wiley-Blackwell; 2013 Feb;33(2):78–89.
  11. Mendonça MCP, Ferreira LB, Rizoli C, Batista ÂG, Maróstica Júnior MR, da Silva EDN, Cadore S, Durán N, Cruz- Höfling MA, de Jesus MB. (2019) N-Acetylcysteine reverses silver nanoparticle intoxication in rats. Nanotoxicology. 13 (3), 326–338.